Aos vinte - quase vinte e um - anos, lembro-me com alguma clareza dos pensamentos que tinha quando era criança. É uma reminiscência que vez ou outra me faz refletir sobre os caminhos que a vida toma. Querendo ou não, a vida é análoga a uma série de televisão: começa com a certeza de ser finita, e com a possibilidade de ser cancelada abruptamente. Ao longo das temporadas, correm as histórias do protagonista e as histórias paralelas dos personagens secundários.
Assim é a vida. Somos os protagonistas das nossas, e nos rodeamos de personagens secundários, cada um protagonista de sua própria estória - ou história, com h, no nosso caso. Como nas séries, as histórias mantém um fio delicado de coesão, que permite à trama explorar diversos temas sem digredir muito fortemente da proposta principal. E por falar em digressões, cortemos a minha e voltemos para as minhas memórias de infância.
A memória que a mim interessa diz respeito à minha vontade mor enquanto criança. Na sala da minha casa, havia uma estante alta, onde ficava a televisão, alguns CDs de música, meus antigos videogames, e mais outros ornamentos que minha memória não consegue resgatar. Algumas vezes, o controle da televisão ficava guardado no topo da estante, e eu, que não chegava nem na altura dos pés da televisão, ficava me roendo de raiva porque não conseguia alcançá-lo. Dizia a mim mesmo que queria logo crescer; queria ser adulto pra ter altura suficiente pra pegar o controle sem precisar de ninguém. Essa era minha maior ambição.
Bem, o tempo passou, e eu fui crescendo. Atingi altura suficiente para pegar o controle com algum esforço, mas sem muitos problemas. À essa altura, a vida, a minha série, já havia mudado. Na primeira temporada, eu cursava o ensino fundamental I, voltava pra casa e ficava jogando videogame até não poder mais. Meu objetivo na vida era alcançar o controle remoto. Agora, na segunda temporada, alcançar o controle já não era mais problema. Tornou-se parte banal do cotidiano. O espaço que eu frequentava também não era mais o mesmo. Entrei no ensino médio, mudei de escola, mudaram os personagens secundários do meu cotidiano.
É difícil perceber que se está crescendo à medida em que se cresce. A mudança ocorre no cerne da história. O gênero muda. Não era mais uma série infantil; passou a ser uma série para o público adolescente. No meu caso, a pegada era um pouco mais filosófica. Criei alguma consciência sobre as coisas da vida. Sofria também... com as coisas que nunca disse a ninguém, e não ousava dizer porque as reflexões eram tantas e tão perturbadoras que não me deixavam falar.
Percebi que a vida era cheia de armadilhas. Jurei pra mim mesmo que jamais cairia nelas. Eu já as conhecia, como poderia possivelmente ser pego? Pois bem. Caí. A vida é a série mais interessante de todas. É traiçoeira, mas fascinante. Como o Labirinto de Dédalo, a vida engana. Pensa que achou o caminho? Parabéns, você está de volta ao ponto inicial. Os caminhos mudam, e você envelhece. E a cada novo percurso pelo labirinto, percebem-se as paredes de maneiras diferentes, até que as paredes se tornam velhas e entediantes.
Caí nas armadilhas da vida, e por um momento pensei que estava fadado a um sofrimento eterno e implacável. Mas eis que entra em jogo o conhecimento sobre a vida: esse pensamento é só mais uma armadilha. O sofrimento não é implacável, não é infinito. Assim como as paredes do labirinto, ele vai mudar. Pode até sumir, ou quem sabe assumir uma nova forma. E eu, nesse momento, tomarei novo fôlego, e tentarei achar a saída mais uma vez.
Aos vinte - quase vinte e um - anos, vejo o quando já mudei, quantos erros cometi e quantos ainda cometo. Aos vinte e um anos, irei percorrer o labirinto novamente. Talvez tropece de novo, talvez deite no chão, exausto, e comece a chorar. Mas sei que a cada segundo aproximo-me mais e mais da saída, e sei, com certeza, que encontrarei o que procuro: um espelho... e um lugar para chamar de meu.
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